O bigode da prima Glória
Ao longe percebia-se bem que não era casamento de gente fina. Ao perto percebia-se ainda melhor. A prima Glória casou com o primo Jaime já mais para mulher feita do que para moça, numa cerimónia simples, como o vestido de noiva – que nem era vestido, nem era de noiva – que ela usou.
Garante a avó Alexandrina, nova ao tempo do enlace, que da união nunca saiu fortuna. A prima Glória era uma mulher de pouca sorte (também) no desenho das feições. A vida compensara-a no desenho da figura.
Era jeitosa de corpo, é preciso dizer as coisas como elas são.
Trabalhou quase toda a vida na taberna que montou com o primo Jaime, no Seixal. O primo Jaime só via de um olho e começou esta história num fato de fazenda, humilde e emprestado, mas composto.
A prima Glória tinha medo de andar de carro, nunca aceitou uma boleia do meu pai. A prima Glória nunca foi a prima Glória para o meu irmão, foi sempre a Pigó. E apareceu na minha vida tirada de um embrulho de fotografias numa gaveta desordenada – a defunta arrumada junto ao defunto, os dois em tons de sépia e colados.
Pelas minhas contas, passaram anos num namoro sôfrego e embrenhado no escuro daquela gaveta. Pensei muito nisto e agora sei que ali só pode ter acontecido muita pouca vergonha: quando a minha mãe os encontrou, naquela tarde de arrumações, era muito difícil dizer quem dos dois tinha mais bigode.
Joana.